terça-feira, 11 de março de 2008

Humanidade e morte.

"Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. Se um torrão de terra for levado pelo mar, a Europa fica menor, como se tivesse perdido um promontório, ou perdido o solar de um teu amigo, ou o teu próprio. A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes indagar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti."
(John Donne)

"Ao curvar-te com a lâmina rija de teu bisturi sobre o cadáver desconhecido, lembra-te que este corpo nasceu do amor de duas almas; cresceu embalado pela fé e esperança daquela que em seu seio o agasalhou, sorriu e sonhou os mesmos sonhos das crianças e dos jovens; por certo amou e foi amado e sentiu saudades dos outros que partiram, acalentou um amanhã feliz e agora jaz na fria lousa, sem que por ele tivesse derramado uma lágrima sequer, sem que tivesse uma só prece. Seu nome só Deus o sabe; mas o destino inexorável deu-lhe o poder e a grandeza de servir a humanidade que por ele passou indiferente."
(Karl Rokitansky)

Os dois pensamentos, tanto do escritor John Donne, como do anatomista Karl Rokitansky, ao mesmo tempo, se completam e se excluem. Interessante não? Pessoas com profissões tão diferentes, com pensamentos sobre coisas distintas terem pensamentos próximos.
Passando alheio ao primeiro pedaço do trecho de A Cerimônia do Adeus (Donne) e pelo início da Oração do Cadáver (Rokitansky), chegamos ao ponto que fala dela, o único destino certo do homem. Sobre o qual pouco se sabe, mas do qual não se pode fugir: a morte.
Quantas vezes não pensamos, mesmo que levados por uma raiva instantânea, que certa pessoa tem que morrer? Alguns de nós já almejaram a morte em algum momento. Quanto ao desejo, não se pode chegar a conclusão nenhuma por cada pessoa. Podemos chegar a conclusões no nível humano. Donne afirma que a morte de qualquer ser humano diminui a si mesmo. Que os sinos dobram por qualquer pessoa. Alguns dirão que ele está errado, pois os sinos dobram também por indignos, e não seria a morte de qualquer indivíduo que diminuiria, mas o fato, é que a pensar no nível humanidade, qualquer homem morto diminuiria nosso sentimento de conjunto.
Mas, olhe só, Rokitansky afirma que essa mesma humanidade, que nada fez pelo cadáver desconhecido, é aumentada através da morte do indivíduo que vai para as frias mesas de laboratórios de anatomia humana. E ele está certo também. As mesmas pessoas que desprezaram o indivíduo podem ser ajudados por profissionais que estudaram através do cadáver do mesmo.
A humanidade não entende, nem jamais entenderá a morte. Em todas as suas facetas, ela oferece dupla interpretação. Enquanto isso os sinos dobram, não sabemos se por mal, ou pelo bem em algum casos, ou quantas vezes eles realmente dobram por nós. Mas sempre pense, que como o escritor e anatomista afirmaram, o ser humano é complexo, não é uma ilha em si mesmo, é alguém que nasceu do amor e cresceu com sonhos. Sonhemos com uma humanidade mais justa. Se no fim, virarmos somente mais um cadáver no laboratório, estaremos ajudando à humanidade também. É nosso dever.

Um comentário:

O PENSADOR disse...

Baseado nos sábios dizeres da "Oração ao Cadáver Desconhecido" do Karl Rokitansky, elaborei um trabalho em forma de acróstico com esse mesmo título, que gostaria de colocar à apreciação de vocês.