sábado, 30 de maio de 2009

existencialismo

Quando nascemos existencialistas, nascemos diferentes. Nascemos carregados de questionamentos e de perguntas meio sem perspectiva de resposta. Também não queremos que nos respondam tudo, afinal, é justamente essa ausência de solução que nos faz sermos o que somos: questionadores. É esta forma de vida que nos faz estranhamente complicados, estranhamente distantes, incontentáveis. Não é que façamos questão de nos distanciar, é que acabamos sendo distanciados. Não sabem lidar conosco. Nos confundem, nos julgam mal.
Nascemos um pouco mortos, um pouco adormecidos. Depois, com o passar dos dias, morremos a parte viva que tinha vingado. Sim. Morremos. Não matamos. Morrer e matar são duas coisas bem diversas. Todos os dias nos perpassa uma melancolia insistente que transborda, vai além de nós mesmos. Somos existencialistas e não carentes. O existencialismo engole a carência do mesmo modo que a Literatura engole uma simples palavra, a não ser que essa simples palavra seja Literatura, aí, temos uma situação de igualdade.
Uns dizem que todo ser humano é um pouco existencialista. Pode ser. O que muda, então, é a amplitude, a projeção que isso tem na vida de cada um. Alguns nem têm essa projeção, esta forma de macrocosmo. Os que têm sabem bem como é. E o nosso objeto projetado não é maiúsculo, do tipo Existencialismo com nome definido: Sartre, Camus. Muito prazer. Não...nós somos minúsculos: existencialismo. Sem nome forte, sem rosto, sem filosofia bem discutida. Somos filosofados porque não nos compreendem, ainda que saibam bem definir aquele outro, o Existencialismo.
Conosco as coisas são um pouco mais escuras, mais indefiníveis mesmo. Todos os dias nos encaramos, nos olhamos no espelho e tudo é bem incerto. Não temos pretensão de certeza nem intenção de acertar. Temos somente uma coisa: aquela condição de vida, aquela dorzinha que veio junto com o primeiro suspiro, o primeiro abrir de olhos, a inspiração. De que nos valeria a vida sem isso? Sem esta (in)capacidade de explicar muito bem o que nos torna amórficos, voláteis, imprevisíveis...sem este sopro de coisa nenhuma que nos acorda mais cedo sempre...somos existencialistas, somos doloridos.
Não buscamos compreensão ou ajuda, já que não temos, de fato, um problema. Temos apenas uma condição de existência que faz com que sejamos mais tristes ou menos explícitos. Às vezes, não estamos tristes ou infelizes, estamos em silêncio, questionando o porquê de estarmos assim, tão quietos, tão compenetrados em nós mesmos. O silêncio é uma coisa importante porque colabora com a produção do que nos move: questionamento. A solidão vem junto com o silêncio e isso não nos incomoda de todo. Somos existencialistas, precisamos de tempo e espaço para entender isso. Quando entendemos e aceitamos quem somos e porque somos, descobrimos maneiras de amenizar nossos reais problemas.
Somos fragmentados não porque queremos, mas porque também fragmentamos. Somos inconstantes porque não nos cabe a condição da constância imposta, socializada. Preferimos ser o que somos, ainda que isso nos cause um certo incômodo. Estamos acostumados com as tristezas que nos acometem, que nos intrigam. Isso não nos faz menos do que somos, pelo contrário. Define nossa condição ainda mais. Não lutamos contra nós mesmos, nem contra nada de forma direta. De início, o que nos preocupa é questionar, as ações vêm com o tempo, e nós não. O tempo não nos preocupa, nos acalma, nos faz como somos, como existimos e, bem ou mal, faz com que sejamos sensíveis demais no modo como percebemos esta coisa, esta incerteza que chamamos de vida. Não somos nada, somos o que somos. Somos apenas existencialistas.


by Laís Scodeler

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Os Cinzentos

Nós queríamos ser sombrios e sinuosos um dia apenas. Ser sombrio e sinuoso todos os dias incomoda. Às vezes a gente se pega imaginado como a vida seria diferente se fossemos menos sombrios, menos sinuosos. Não dá mesmo para saber se conseguiríamos. Ser sombrio e sinuoso é algo que marca, que escurece, que engole. A gente se perde sendo sombrio. Eu me perdi. As coisas se escondem da gente quando tentamos encontra-las e se escancaram quando não queremos vê-las de modo algum. Assim, passamos a confundir o que é para ser visto e o que não é. Vemos coisas onde não tem e cegamos quando devíamos ter visto. Mas, é tudo cinza, tudo sombra. Não dá mesmo para diferenciar uma coisa da outra, posto que, sendo sombrio e sinuoso a gente não diferencia luz e treva, só há, de fato, um meio termo estranho que nos rouba os extremos. Parece que ninguém nos percebe, que ninguém nos identifica verdadeiramente. Nos tornamos, também, um meio termo. Nem bonitos, nem feios: normais.
Conosco, anda sempre uma melancolia, uma tristeza escondida no fundo do peito. Somos cinzentos. Temos pensamentos cinzentos. Sentimos de forma cinzenta. O nosso sofrimento é cinza, mas as nossas dores não se esfumaçam, se solidificam. Não somos sólidos. Somos cinzas. De repente, nos damos conta de que não há um espaço para nós entre as pessoas que sentem os extremos, que notam sua existência. Então, ou nos escondemos ou nos disfarçamos. Quando nos escondemos, não somos questionados. Quando nos disfarçamos, somos descobertos. Nosso disfarce nunca dura muito, porque não lidamos bem com extremos e opostos, somos cinzentos.
O que nos move não é nenhuma certeza de Sol, mas uma indiferença em relação ao nublado. Nem claro, nem escuro. Sombrio. Pouco e muito, tanto faz. Não é isso que importa. Importa o que não se esfumaça, o que não vira vento e o que não se transforma em cinza. Se um moço do Sol se apaixona por uma moça da chuva, com certeza, ele sofre. O oposto não ocorre. Moças da chuva não se apaixonam por moços do Sol. Moças da chuva não se apaixonam, se conformam em não virar fumaça. A gente vira fumaça quando fica só. Quando não tem nem Sol nem Lua e, menos ainda, chuva.
Somos cinzentos não por escolha, mas por condição de vida. Não somos grandes o suficiente para lutar contra as cinzas porque não conseguimos captura-las, elas se vão rápido demais, e nós continuamos aqui. Sombriamente nos questionamos, de vez em quando, mas nossas perguntas também se esfumaçam. Vivemos uma efemeridade de dúvidas para tentarmos nos solidificar...
Não somos preocupados, somos passantes. Não necessariamente vivemos. A vida é vida quando é vivida, não quando apenas se passa por ela. Não vivemos, passamos. Não rimos, não choramos, somos. Erguemos as sobrancelhas e continuamos o trajeto. Também não olhamos para trás. Não é que o medo nos aflige, é que não temos medo, nem temos nada, também. Somos cinzentos e tentamos não esfumaçar, mas nem sempre conseguimos. Nunca é fácil permanecer sólido. Nunca é fácil deixar de ser sombra e cinza. Ser sombra e cinza acomoda...


by Laís Scodeler