quinta-feira, 7 de agosto de 2008

O Chão dos Homens

Quem conhece o ser humano sabe, mesmo que não por experiência própria, o quão difícil é confiar nele. Uns ainda levam fé na humanidade, outros tantos já perderam, e com razão, os filetes de esperança que ainda restavam. “Não se pode confiar nos homens...”, dizem os desacreditados. Mas, e quanto ao diabo? Há os que defendem a idéia de que se pode confiar até no “coisa-ruim”, entretanto, é necessário ser cuidadoso no que diz respeito aos humanos, justamente porque são humanos, e como tal, não são criaturas de fácil trato e nem de caráter generalizável.
Numa de suas andanças pelo mundo, o diabo, disfarçado de homem, deparou-se com uma mulher que, sem percebê-lo, cantarolava solitária ao estender uns poucos trapos no varal. Ele, como criatura dos infernos, há muito turista de mundos diversos e conhecedor das mais raras formas, viu-se extremamente admirado com a beleza da moça. Esta, simples mas bem cuidada, chamava-se Lis e era casada com um agricultor humilde e de muito valor que passava a maior parte do tempo trabalhando na fazenda do patrão latifundiário. Lis cuidava de suas obrigações durante o dia e, de noite, costumava esperar o marido olhando a lua.
Na noite de lua cheia, o diabo, inconformado por não conseguir deixar de pensar naquela criatura tão divina, ainda que humana, decidiu quebrar algumas regras que separam terra e inferno disfarçando-se de vendaval para raptá-la. A coitada, completamente desorientada, ao ser levada naquela velocidade, pensou que o fim dos tempos havia chegado. Quando foi posta no chão, não viu o diabo como diabo, e sim como um belo homem. Durante alguns poucos instantes, não acreditou que ele fosse homem, mas anjo, e perguntou, com toda a sua ingenuidade, se o mundo estava acabando. O tinhoso, esperto, disse que sim e que a estava salvando. A moça caiu em pranto! Como poderia viver sem o marido? Então, Lis engoliu o choro e disse: “olha seu anjo-moço, sem o Zé, meu marido, eu não posso viver...se ele morre, eu morro junto. Se o mundo acabar e levar o Zé, eu acabo também...sem o meu Zé eu não sou nada.”
Depois da declaração apaixonada, o diabo, que de anjo não tinha nada, muito menos as asas, encolerizou-se com a moça e puniu-a de um jeito bem diabólico, diga-se de passagem. Quando Zé, desesperado com o sumiço misterioso da esposa, parou de trabalhar porque não agüentava mais a dor da perda que sentia, o tinhoso, cheio de ódio no peito vazio, arrastou Lis pelos cabelos e enterrou-a debaixo do chão que seu marido cuidava. Ao voltar ao trabalho, Zé sentiu algo estranho, mas nem de longe poderia imaginar o motivo que o fazia sentir-se daquele jeito. Lis ouvia, então, o choro sentido do marido quando tratava da terra, mas nada podia fazer.
Quando o sol caiu, o diabo apareceu para Zé e apresentou-se como sendo o diabo mesmo, sem enganação e sem pseudônimo e foi muito sincero com o agricultor: “Numa dessas minhas andanças pelo mundo, vi sua esposa e me apaixonei por ela! Como ela não me quis, eu a escondi de você! Se quiser a Lis de volta, vai ter que me dar a sua alma...”. O pobre, que não agüentava mais tanta tristeza, concordou. O diabo, que não é bobo, tratou logo de arrancar a alma do moço e garantir mais um na sua morada. Quando as três gotas do sangue de Zé caíram ao chão, o tinhoso virou vendaval de novo e puxou-lhe a alma pela boca. O corpo do homem caiu e a terra deu conta do resto... Lis sentiu quando o marido chegou, mas não como sempre fora, para lhe fazer companhia. Sua tristeza foi tanta, mais tanta, que ela não agüentou. Durante dias, suas lágrimas escorreram por aquela terra, aquele chão...tempos depois, cresceu ali uma flor, conhecida posteriormente por “flor-de-lis”...
O diabo continua sendo diabo e andando pelo mundo. O homem continua sendo homem e andando pela terra, mesmo que não dure sobre ela...


by Laís Scodeler

5 comentários:

Eterna aprendiz.. disse...

Laís como sempre escrevendo divinamente, gostaria eu de ter um dom como esse! E, ainda conseguiu melhorar hein.. ai tudo de bom esse conto ! By.: Sabrina

Anônimo disse...

Em horas como estas que eu fico sem palavras...
Começou bem forte, “Não se pode confiar nos homens...”, mas depois nos acalmou a alma.
Ainda não sei se devo confiar plenamente nos homens, mas tenho certeza que posso confiar no amor, principalmente no amor verdadeiro como o do Zé e da Lis!!

Muito Lindo, Laís!!

Anônimo disse...

sou teu admirador :) execelente conto

Anônimo disse...

EXCELENTE texto lais!!!!!
muito bom!!
vc ta de parabens!!!
as vezes vc nem parece a lais de algumas horas!!sausahsahusauhshusa
parabens!!!
bjs

Anônimo disse...

Nooossa, Laís, lendo o texto nem dá pra imaginar que no final seria uma lenda!! Muuuito bom, meeesmo!
Bjão!